Abriu pesarosamente os olhos. Mortiços e cansados, a claridade que lhe ofuscava agora a retina, mostrava-lhe que era dia. Não se lembrava onde havia deixado a noite mas estava certa de que a última vez que a sua memória havia guardado um instante no tempo, a sombra da noite ainda se fazia sentir. Sentia o corpo cansado, esgotado até, os músculos doíam a cada tentativa de se mexer, de sair do sítio, de erguer o pescoço e averiguar as circunstâncias de tempo e lugar. Fez um esforço redobrado, repeliu a dor e acordou a mente para se recordar dos factos que a levaram ao cansaço que sentia. Ao perscrutar os instantes que precederam aquele acordar, não logrou deixar de esboçar um sorriso. Sentira na pele a ira do desejo, no corpo a raiva do prazer, o descontrolo do equilíbrio do ser, a fúria da luxúria em todo o seu esplendor. Havia-o provocado, havia-o feito chegar perto do desespero, havia-o feito desejá-la sem pudor, irritando-o, mostrando-se inacessível, vedando-lhe reiteradamente a entrada, impedindo-o sistematicamente de lhe tocar quando sabia que ela era sua, sempre o havia sido. Obstinado, lia-se-lhe no olhar o desejo de a esmagar entre os braços, de a prender num laço apertado, de lhe destruir o corpo de tanto a querer, de tanto a foder, de tanto a abusar. Ela, jogava o jogo, manipulando, mexendo as peças a seu bel-prazer, desfilando descaradamente os seus intentos, enciumando-o, negando-o, repudiando-o, fazendo-o subir na escala do desespero por não a ter mesmo sabendo que no fim, seria sua, sempre o havia sido. Quando finalmente sucumbiu, sabia que as consequências seriam severas e o seu corpo seria fustigado pelo desejo hiperbolizado, pela ira incontrolável de um prazer adiado, pela irracional agressão da possessão. A explosão dos sentimentos recalcados reflectiram-se na entrega, na forma puramente carnal com que se apoderou do corpo dela, nas investidas caiadas de um rugir de demarcação de território, nas palavras furiosas gritadas aos seus olhos ao invés de sussurradas ao ouvido, no agitar e impetuoso manobrar do frágil ser que sorria maleficamente a cada descambar de luxúria que lhe via no olhar. Aguentou estoicamente, até lhe saciar a vingança, até o corpo se esgotar visceralmente, até ao Xeque-mate final.