Das batidas compassadas e espaçadas num ritmo suave e cadenciado, retiramos a sensação de um coração saudável, funcional e mecânico. Aparentemente, nada lhe retira a calma, nada o faz constringir, ficar apertado. Mas, acontece sem sequer darmos por isso, o fogo lento em que ardemos e nos mantemos planando pelo mundo, é interrompido por um ruído de fundo. Assemelha-se a um comboio que se ouve ao fundo, cuja destino desconhecemos mas sabemos que está a chegar. Somos apanhados desprevenidos, ou quiçá, estamos de prevenção mas ingénuos, face à sonolência em que nos encontramos, baixamos momentaneamente a guarda e somos tomados de assalto. E o compasso ganha outro ritmo, o batuque acelera, o calor preenche-nos as veias, o sangue agora mais fluído atravessa-nos o corpo, passa por ele e torna a bombear. Sentimos um sopro de vida, um voltar a viver depois de um estado de quase-morte, uma inspiração desesperada de tanto se querer voltar a respirar. Curiosamente, depois de voltar à vida, depois de moribundo, de vez em quando ainda se esquece de bater. Quando os olhos vêm o objecto de cobiça, quando no arrepio da paixão se sente o toque das mãos que se enlaçam nas nossas, quando em sussurros se reconhece a voz rouca e hipnotizante que nos ecoa no peito, quando os lábios que nos beijam chegam ao fundo da alma, quando a língua que nos humedece nos enleia nos fios do desejo, quando a respiração se transforma em gritos em uníssono, quando o sabor da entrega nos toca nevralgicamente, quando a pele se arrepia num reflexo de carícias, quando bafejados pelo aroma do desejo, sucumbimos ao orgasmo mais pernicioso mas também mais esperado. E, do fundo do túnel, vemos finalmente o comboio que adivinhávamos. Acelerado, rápido, com pressa de chegar. Tal como o coração que deixámos assaltar.