"Why do people have to be this lonely? What's the point of it all? Millions of people in this world, all of them yearning, looking to others to satisfy them, yet isolating themselves. Why? Was the earth put here just to nourish human loneliness?"
in Sputnik Sweetheart by Haruki Murakami
Liberdade. Era da liberdade de espírito que emanavam encontros e desencontros. Era da liberdade de pensar o corpo como um veículo para o prazer e da capacidade de alheamento do comum, do tradicional, do socialmente correcto que surgiam momentos de inigualável entrega. Abstraiam-se das convenções, usavam o seu corpo da mesma forma que se deixavam usar. A palavra de ordem era prazer. Prazer. Só isso.
Entraram no quarto sem olhar para trás. Fecharam o mundo lá fora decididos a inventar um novo mundo para si próprios, um onde nada mais que a fruição do corpo lhes interessasse. Sorriram cúmplices face à perspectiva do que se avizinhava e pegando-se pela mão, encaminharam-se aos seus postos. Não havia um plano, nunca o havia, mas instintivamente, todos sabiam qual o papel a desempenhar. Os olhares trocados assemelhavam-se ao frenético zumbir dos motores de carros prestes a iniciar uma corrida ilegal e em que a adrenalina se encontra ao rubro. Os corpos ardiam de vontade de abrir as hostilidades mas de alguma forma, prolongar o início, sabia-lhes tão bem. Foram-se despindo das vestes que por esta hora já atrapalhavam os seus intentos, foram deixando cair peça por peça, descobrindo a pele, as curvas, os detalhes, os mais pequenos detalhes que conseguiam explicar o paulatino aumentar do desejo de se terem. Até que, em sintonia, os seus lábios decidiram juntar-se. Beijaram-se com a força e a fome de milhões de anos, como se toda a evolução tivesse que culminar ali, num beijo a três, num beijo de línguas entrelaçadas, molhadas, ávidas e furiosas. Rodopiavam e ondulavam acompanhadas do toque das mãos que iam explorando o que tinham à sua disposição como que tomando posse, como que fazendo o reconhecimento do terreno onde haviam de se mover, onde haviam de se perder. Elas, imbuídas da beleza que os seus corpos transpareciam e que sabiam ser desejados, envolveram-no em si. Começaram por dividir tarefas para logo depois, interessadamente, se dedicarem em pleno. Quiseram-no assim, entregue às suas bocas, deliciando-se com a mestria dos seus lábios, com o jeito próprio de cada uma o tomar, enlouquecendo-o, invadindo-o do prazer de ser possuído pela perfeição dos seus gestos, pelo observar do beijo que entre lambidelas, entre chupares e engolires iam trocando quando os seus lábios se aproximavam perigosamente. Orgulhosas, sentiam-se manipuladoras do seu sexo, dominando-o ao ritmo do seu querer, ao ritmo desenhado pelas suas línguas. Mas desenganem-se os que julgam que o prazer era só dele. Elas, nunca serenando a fúria que as invadia, sabiam encontrar na outra, o prazer de ser tocadas como gostavam de se tocar a si mesmas. Era inato. As mãos que mantinham livres, ocupavam-se sem piedade. Encontravam os recantos do sexo molhado e divertiam-se, tocando-se mutuamente, potenciando e mantendo o fogo ardente, explorando os outros lábios, procurando um clitóris palpitante, saliente e pleno de terminações nervosas. Excitavam-se excitando-se, excitavam-se excitando-o. Abandonavam a solidão e davam o mote para uma guerra que haviam de travar dali a instantes e cuja estratégia passava apenas por buscar o prazer. Prazer. Só isso.